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O Labirinto da Execução Penal: Entre a Justiça e o Excesso do Poder de Punir

  • Foto do escritor: Rafael Ferro
    Rafael Ferro
  • 3 de jan.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 31 de jan.



Dr. Rafael Ribeiro Ferro - 31 de janeiro de 2025.


Na mitologia grega, Dédalo, o brilhante artesão, construiu um labirinto tão engenhoso que ninguém poderia escapar dele sem conhecer seus intricados caminhos. Nele, estava aprisionado o Minotauro, criatura feroz que devorava aqueles que ousassem desafiá-lo. De certa forma, a execução penal, quando conduzida com rigidez desproporcional e sem a devida observância aos direitos fundamentais, se assemelha a esse labirinto: um percurso tortuoso, onde o condenado muitas vezes se vê preso não apenas pela pena imposta, mas também por obstáculos indevidos criados pela própria máquina estatal.

Recentemente, um debate jurídico relevante emergiu no cenário da execução penal, envolvendo a possibilidade de exclusão do tempo de pena já cumprido em razão da concessão de um indulto. O Ministério Público, em diversas situações, tem sustentado a tese de que a pena perdoada pelo indulto deve ser retirada dos cálculos da progressão de regime, impactando diretamente na contagem do tempo necessário para que o reeducando possa usufruir de benefícios. Tal postura, no entanto, representa um preocupante excesso do poder de punir do Estado e afronta garantias fundamentais do sistema penal brasileiro.


O Indulto e a Preservação do Tempo Cumprido


O indulto, concedido pelo chefe do Poder Executivo, é um ato de clemência estatal que extingue a pena remanescente, mas não deve apagar o histórico de cumprimento do reeducando. O tempo de encarceramento, independentemente do benefício concedido posteriormente, é um fato jurídico consolidado e deve ser considerado na contagem da execução penal.

O Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento de que o indulto extingue os efeitos primários da condenação, mas não os secundários e extrapenais. Assim, não há respaldo legal ou constitucional para que o Estado desconsidere períodos de pena já cumpridos, pois tal medida acarretaria um paradoxo jurídico: um indivíduo que cumpriu parte de sua pena e recebeu um indulto se encontraria, paradoxalmente, em situação mais desfavorável do que aquele que não recebeu o benefício.

Se aceitarmos a exclusão desses períodos, corremos o risco de criar um novo labirinto dentro do próprio sistema de execução penal, onde o tempo passado atrás das grades perde seu valor, e o reeducando se vê obrigado a refazer caminhos já percorridos, como se sua pena nunca tivesse sido parcialmente cumprida.


A Justiça como Fio de Ariadne


Teseu, o herói grego, conseguiu escapar do labirinto de Dédalo graças ao fio concedido por Ariadne, que o guiou pelo caminho correto. Na execução penal, esse fio condutor deve ser a legalidade, a razoabilidade e a dignidade humana. O sistema não pode permitir que a aplicação de um benefício se transforme, paradoxalmente, em um prejuízo para o apenado. A individualização da pena, princípio constitucional, exige que o Estado reconheça cada dia cumprido e assegure que ele seja contabilizado corretamente para efeitos de progressão de regime e demais benefícios.

No campo prático, impedir a contagem desses períodos resulta em um endurecimento da pena que não foi previsto pelo legislador ou pelo decreto concessivo do indulto, caracterizando uma verdadeira ampliação indevida do poder punitivo estatal. O Estado, nesse contexto, assume um papel semelhante ao de Minos, o rei cruel que, insatisfeito, exigia continuamente o sacrifício de prisioneiros no labirinto. No entanto, a justiça penal deve se basear em preceitos racionais e humanos, e não em uma visão punitivista desmedida.


Conclusão


A execução penal não pode se transformar em um labirinto onde os direitos do reeducando são apagados a cada curva do caminho. O reconhecimento do tempo de pena já cumprido é um direito fundamental que deve ser preservado, e qualquer tentativa de suprimí-lo configura um abuso do poder de punir. Tal como Teseu, o condenado que busca sua ressocialização e progressão de regime precisa de um fio de legalidade que lhe assegure um percurso justo e coerente dentro do sistema.

Se a justiça penal se permite transformar-se em um novo labirinto de Dédalo, sem saídas, sem critérios e sem respeito à dignidade da pessoa humana, o risco que corremos é que o Minotauro do excesso punitivo jamais seja derrotado. E, nesse cenário, todos nós nos tornamos, de alguma forma, prisioneiros do sistema.


  • Referências:

    • Dédalo e o Labirinto

      • Ovídio, "Metamorfoses" (Livro VIII) – Relata a construção do Labirinto de Creta por Dédalo e o aprisionamento do Minotauro.

      • Apolodoro, "Biblioteca" (Livro III) – Narra a história do rei Minos, Dédalo e a criação do Labirinto.

    • Teseu e o Minotauro

      • Plutarco, "Vida de Teseu" – Conta a história de como Teseu derrotou o Minotauro e escapou do Labirinto com a ajuda do fio de Ariadne.

      • Higino, "Fábulas" (Fábula 40) – Relata o mito do Minotauro e a fuga de Dédalo.



 
 
 

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